Síndrome Hemolítico-Urêmica atípica – SHUa é uma doença provocada pela deficiência genética de inibidores
naturais do sistema complemento. O sistema complemento faz parte da imunidade inata dos seres humanos e é composto por proteínas que reagem entre si para eliminar patógenos (bactérias, vírus) e induzir uma série de respostas inflamatórias que auxiliam no combate à infecção. As atividades biológicas geradas quando o
complemento é ativado; e, em particular, a capacidade do complemento de mediar as reações inflamatórias agudas e de produzir lesões letais nas membranas celulares; constituem uma ameaça não apenas para os patógenos
invasores mas também às células e aos tecidos do próprio organismo. Esse potencial de autolesão da ativação do complemento é normalmente mantido sob controle efetivo por diversos inibidores.
As proteínas do sistema complemento, tanto ativadoras quanto inibidoras, são produtos de genes específicos. Quando existe alguma mutação genética dos genes que codificam as proteínas inibidoras, o sistema complemento passa a ficar em constante ativação, mesmo na ausência de patógenos externos (vírus, bactérias). Essa ativação constante leva à lesão das próprias células do organismo, com a formação de “buracos” nas células que
recobrem os pequenos vasos sanguíneos (células endoteliais da microcirculação). Uma vez que as células endoteliais são lesadas, surge uma cascata de fenômenos como formação de trombos (coágulos), que por sua vez
aderem plaquetas (células sanguíneas que previnem sangramentos). Esse trombo com plaquetas diminui muito o diâmetro do microvaso sanguíneo acometido, o que leva à destruição dos glóbulos vermelhos do sangue
(hemácias).
Esta cascata de eventos explica dois dos sintomas clássicos da SHUa: plaquetopenia (queda no número de plaquetas do sangue, que ficamaderidas no trombo) e anemia hemolítica (quebra de hemácias ao passarem pelo vaso obstruído por trombos). Todos os microvasos sanguíneos do organismo podem ser acometidos por esse fenômeno de obstrução. Isso provoca inflamação dos órgãos, quepassam a não desempenhar suas funções corretamente. Um dos órgãos mais envolvidos são os rins, cujo mal funcionamento leva à dano renal (também chamada de insuficência renal ou lesão renal). O mal funcionamento dos rins provoca a retenção de substâncias tóxicas, normalmente excretadas por eles. Uma das substâncias é a ureia, cuja retenção e aumento da concentração no sangue é chamada de uremia.
Esta cadeia de eventos justifica o nome da doença:
• Síndrome: conjunto de sintomas que caracterizam uma doença
• Hemolítico: lise (destruição) dos glóbulos vermelhos do sangue (hemácias)
• Urêmica: retenção de ureia e outras toxinas pelo mal funcionamento dos rins.
E por que Atípica?
A SHU conhecida como Típica é uma doença desencadeada pela toxina de uma bactéria, a Escherichia coli, adquirida através de alimentos contaminados (sobretudo carnes mal cozidas). A toxina é potente e provoca a lesão das células endoteliais (asque recobrem os microvasos), levando à cascata de eventos semelhante a que foi descrita anteriormente. No entanto, nestes casos de SHU típica, não existe a mutação dos genes no sistema complemento. A infecção por Escherichia coli manifesta-se com diarreia aquosa e com sangue. Cerca de 7 a 10 dias após a diarreia,
alguns pacientes podem apresentar anemia, plaquetopenia e insuficiência renal, características da SHU. Aproximadamente metade dos pacientes precisa de diálise durante o episódio agudo, mas a função renal se recupera na maioria deles.
Desta forma, quando se afastam causas infecciosas ou outras doenças sistémicas (como por exemplo, as doenças autoimunes ou reumatológicas) na vigência de uma quadro de Síndrome Hemolítico- Urêmica, presume-se que seja uma SHU atípica, devendo-se pesquisar evidências da disfunção do sistema complemento.
48% dos pacientes apresentam sintomas neurológicos
• Confusão
• Encefalopatia
• AVC (Acidente Vascular Cerebral)
• Convulsão
43% dos pacientes apresentam sintomas cardiovasculares
• Infarto do miocárdio
• Vasculopatia difusa
• Hipertensão Arterial Sistémica
Até 30% dos pacientes apresentam complicações gastrointestinais
• Colite
• Dor abdominal
• Pancreatite
• NáuseaA/ômitos
• Gastroenterite
• Necrose do Fígado
Complicações Pulmonares
• Dispneia (falta de ar)
• Edema pulmonar
• Hemorragia pulmonar
100% dos pacientes têm comprometimento renal
• Insuficiência Renal Aguda
• Necessidade de diálise
• Alteração do sedimento urinário: sangue (hematúria), glóbulos
brancos (leucocitúria), proteína (proteinúria)
• Hipertensão de difícil controle
Manifestações no Sangue
• Plaquetopenia (diminuição das plaquetas)
• Diminuição da haptoglobina
• Diminuição da hemoglobina (anemia)
• Elevação da Lactato desidrogenase
• Presença de Esquizócitos
Opções de tratamento para SHUa
Devido ao grave quadro inicial, os pacientes geralmente são admitidos em Unidades de Terapia Intensiva, onde ficam monitorizados e recebem cuidados de suporte: transfusão sanguínea, terapia de substituição renal
(diálise), infusão de plasma e outros tratamentos de acordo com a evolução.
– Tratamentos com infusão de plasma
Infusão de plasma é o tratamento mais comum para pacientes com Síndrome Hemolítico-Urêmica. O plasma consiste na parte do sangue que permanece após a retirada das células (hemácias, leucócitos e plaquetas) e é
rico em proteínas. Em certos casos, quando disponível, utiliza-se a plasmaférese, um processo pelo qual o plasma do paciente é removido do corpo, filtrado (retirando-se anticorpos) e substituído por plasma de doadores normais, ricos em proteínas que podem estar ausentes nos pacientes acometidos. Nos casos de SHUa, o plasma de doadores normais repõe as proteínas do sistema complemento que estão faltando devido à ausência genética. Tratamentos de plasma não tratam a base da doença e são também processos que podem levar a complicações, como hipervolemia (aumento do volume) e reações alérgicas.
– Terapia de substituição renal
1. Diálise
SHUa (.ursa com lesão renal em 100% dos pacientes. Os rins chegam a não funcionar temporariamente (injúria renal aguda) ou de forma permanente (doença renal crónica). A diálise (peritoneal ou, mais frequentemente,
hemodiálise) pode ser utilizada como uma substituição da função renal. Em adultos. 46% dos pacientes evoluem para doença renal crónica, podendo necessitar de programa crónico de diálise.
2. Transplante Renal
Os pacientes que apresentam doença renal crónica têm como opção de tratamento o transplante renal. Devido ao fato de ser uma doença genética, uma das principais complicações do transplante em pacientes com SHUa é o
risco de a doença recidivar (voltar) no rim transplantado. Desta forma, a programação do transplante renal deve ser feita com extremo cuidado e por equipes experientes.
Novas terapias medicamentosas
Há cerca de 15 anos, foi desenvolvido um medicamento, o Eculizumab, um anticorpo que age na cascata do complemento e bloqueia sua ação destruidora sobre os microvasos sanguíneos. Os inibidores de complemento, tais como o anticorpo monoclonal, demonstraram eficácia e segurança no tratamento de SHUa. tanto na fase
aguda da doença quanto na prevenção de recorrência em rins transplantados. Pode ser utilizado tanto em crianças quanto em adultos, com bom perfil de segurança, exceto pelo aumento da chance de infecção meningocócica, motivo
pelo qual os pacientes devem ser vacinados antes do tratamento. A eficácia é maior quanto mais precoce for o uso, sobretudo no que cerne à reversão da disfunção renal. É importante ressaltar que o medicamento tem indicação
precisa para os pacientes com diagnóstico de SHUa (além da outra indicação de bula, a Hemoglobinúria Paroxística Noturna).
A SHUa é uma doença crônica, por isso o tratamento não pode ser interrompido. Qualquer que seja o tratamento escolhido para os pacientes com SHUa, é extremamente importante que ele seja seguido rigorosamente pois,
devido a um defeito genético, a chance de voltarem os sintomas (muitas vezes graves) é grande.
Se o paciente estiver sob tratamento com Eculizumabe, é imprescindível que não haja falha nas infusões. A meia vida da medicação é de 11 dias e o intervalo das infusões é a cada 15 dias, intravenoso. Caso haja impossibilidade de receber a infusão por qualquer motivo, o médico deve ser avisado. Os benefícios do tratamento são contínuos e requerem adesão e disciplina com o tratamento.
24 de setembro: Dia Internacional de Conscientização sobre a SHUa.
A voz do paciente é muito importante nas políticas e ações de acesso ao diagnóstico e tratamento adequado, principalmente por se tratar de uma doença ainda desconhecida. Por este motivo, associações do Canadá, Estados
Unidos e Espanha comemoram, internacionalmente, o Dia da Conscientização da SHUa em 24 de setembro, sensibilizando governos e sociedade sobre os riscos desta grave doença. Atualmente no Brasil, a Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (AFAG) regista 150 pacientes com SHUa com cadastros ativos. Considerando a prevalência da doença e a população brasileira é de se esperar que existam muitos casos não
diagnosticados, o que reforça a necessidade de incluir a divulgação da doença.
Fonte: Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves
(AFAG) e Orphanet Journal of Rare Diseases.