Mães de crianças e jovens com alergia à proteína do leite de vaca, a lactose, querem mais apoio governamental para atendimento médico e aquisição de fórmulas especiais capazes de suprir as necessidades alimentares básicas de seus filhos a partir de dois anos de idade. O apelo foi feito em relatos emocionantes durante audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde desta segunda-feira (19/10/15).
A delegada da AFAG no Estado de Minas Gerais, Juliana Oliveira, compôs mesa das apresentações e compartilhou com os presentes a sua experiência com seu filho, que também teve dificuldades para se alimentar, considera necessário que governantes e autoridades entendam que o problema vai muito além da oferta do leite. “É um diagnóstico que impacta a vida das crianças e das famílias”, disse.
Atualmente, salvo raras exceções, somente crianças de até um ano e onze meses têm acesso a fórmulas de suplementos alimentares específicos para casos de alergias provocadas por alimentos. O presidente da comissão, deputado Duarte Bechir (PSD), justificou a realização da reunião argumentando que é preocupante a incidência desse tipo de alergia em pessoas com deficiência e propôs a formação de uma comissão de pais, mães, médicos e deputados para solicitar diretamente à Secretaria de Estado de Saúde a implantação de um protocolo capaz de atender a essas demandas.
Ao contrário de outros Estados, como Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo, Minas Gerais ainda não dispõe de um protocolo dessa natureza e os pacientes mineiros, na maioria das vezes, não contam com serviços especializados e padronizados, salvo algumas exceções como o programa desenvolvido pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) em parceria com a prefeitura local.
Convocada a requerimento dos deputados Duarte Bechir, Arnaldo Silva (PR) e Elismar Prado (PT), a audiência teve por objetivo debater as condições de pacientes alérgicos à proteína do leite de vaca, além de analisar a normatização da dispensação de fórmulas infantis especiais.
De acordo com os relatos feitos durante a reunião, esse tipo de problema, muitas vezes, se desdobra em outras alergias alimentares, impactando a vida e a rotina das famílias. Em muitos casos, quando o paciente não tem acesso gratuito às fórmulas, o alto custo dos suplementos alimentares praticamente inviabiliza a aquisição dos produtos e a continuidade do tratamento.
Segundo Michele Bittencourt Lopes de Freitas, mãe de um paciente autista de seis anos com diagnóstico de múltiplas alergias, o Sistema Único de Saúde (SUS) só dispensa fórmulas para crianças de até um ano e onze meses de idade. Para atender às necessidades do filho, Michele trabalha dobrado. “Acordo às 5 da manhã e chego em casa às 11 da noite. De outra forma, não teria como adquirir o suplemento alimentar de meu filho, pois cada lata, que dura apenas dois dias, custa R$ 170,00. Com isso, gasto por mês R$ 2.750,00 só de leite, sem contar o frete”, relatou. “Há quatro meses dei entrada no posto de saúde, para ter acesso ao leite gratuito, e até agora nada consegui. É humilhante”, prosseguiu.
Além dos depoimentos de mães de pacientes, a comissão ouviu também médicas especializadas no atendimento a pacientes com esse diagnóstico. A médica Camila Milagres Macedo Pereira, também mãe de um filho alérgico e autista, observou que o conhecimento está sempre defasado. “Uma teoria nova leva de 10 a 20 anos para ser adaptada à prática clínica”, lamentou. Segundo ela, há uma estreita associação entre autismo e alergia a leite, o que acaba gerando outras alergias e comorbidades intestinais. “É difícil lidar com isso sem recorrer a fórmulas especiais. Se o governo não puder garantir, a criança vai sofrer com subnutrição”, alertou.
Em resposta à mãe de um jovem de 16 anos que sofre com diagnóstico de autismo associado a alergia, Camila afirmou que, nesse caso, é possível, sim, o paciente conseguir atendimento especial no SUS, desde que apresente uma justificativa plausível. Contudo, ela defendeu que o Estado estabeleça um protocolo específico para casos como esse, em que a criança é diagnosticada tardiamente.
A professora e pesquisadora da UFU Cristina Palmer Barros relatou o bem sucedido protocolo implantado em Uberândia, numa parceria entre a universidade e a prefeitura. Médica do SUS e professora universitária há 17 anos, há seis anos Cristina acompanha a causa de pessoas com alergia alimentar. “Existem programas no Brasil que visam atender a essas crianças de forma rotineira, reduzindo a burocracia. Mais do que leite, esses pacientes buscam diagnóstico correto, acompanhamento adequado e alta médica no momento adequado”, disse.
Segundo ela, o programa que atende a pacientes com alergia ao leite de vaca no Hospital de Clínicas da UFU e em unidades de atendimento básico de Uberlândia foi implantado em 2009, graças a um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado a partir da sugestão de um juiz federal, devido ao grande número de ações judiciais que exigiam a oferta das fórmulas por parte do poder público. Desde então, o programa vem funcionando muito bem. Este ano, porém, pela primeira vez, se viu em dificuldades financeiras, resultando na falta de algumas fórmulas. Contudo, explicou a médica, novas licitações já foram feitas e o programa em breve será totalmente restabelecido.
A pesquisadora Cristina Barros falou sobre o papel do aleitamento, ela destacou a importância do aleitamento materno no atendimento aos pacientes com alergias alimentares. Mesmo assim, alertou, algumas crianças podem desenvolver sintomas de alergia por causa da dieta da mãe. “Nesses casos, é preciso promover uma dieta adequada para a mãe. Se não conseguimos assim, defendemos, então, a aplicação dos programas”, explicou.
A médica disse que há no mercado inúmeras opções de fórmulas para tratar esses pacientes. Mas ressaltou que apenas a oferta das fórmulas não é suficiente. É necessário, além de selecionar a fórmula correta, manter o acompanhamento médico e encaminhar para a alta quando possível, a fim de que os produtos sejam destinados a outros pacientes. “O processo é difícil e, se não for bem feito, onera os cofres públicos”, justificou. Para ela, é fundamental “investir em recursos humanos e técnicos para conduzir todo esse processo com competência, visando a reduzir o sofrimento de pacientes e suas famílias”.
Em resposta a uma mãe que questionou o fato de o Estado atender apenas a crianças até dois anos de idade, ela esclareceu que a decisão não é aleatória, mas baseada em evidências epidemiológicas de que, normalmente, até essa idade os pacientes conseguem se curar, não havendo razão, na maior parte das vezes, para continuarem ingerindo fórmulas específicas. Mesmo assim, acredita que é necessário que o Estado crie, também, um protocolo específico para atender aos pacientes com diagnóstico tardio. “Temos que usar as fórmulas especiais, mas de maneira racional e cientificamente orientada”, justificou.
Hospital da Baleia – Adriane Cristina da Cruz, mãe de João Pedro, que apresenta paralisia cerebral, traços de autismo e intolerância a lactose, entre outras restrições alimentares, diz ter conseguido tratar o filho num serviço semelhante ao de Uberlândia, oferecido no Hospital da Baleia, em Belo Horizonte. Ela orientou as mães e pais a insistirem com os médicos dos postos de saúde em que tratam seus filhos para encaminharem as crianças para o Hospital da Baleia. “É difícil conseguir encaminhamento, que tem que ser feito através do posto de saúde, mas é possível. Temos que ser persistentes”, disse.
Fonte: ALMG